sexta-feira, 14 de novembro de 2008

- Alô. Hoje te encontrei nas escalas menores, nos bemóis, em notas suaves e dissimuladas. Hoje te suspirei em melodias inacabadas.
Eu não possuo o dom supremo da retórica subjetiva. Não entendo a configuração do teu pensamento metafísico, quando prefere calar e perder aquilo que poderia ser eterno, pelo medo de deslizar. O tempo escorre nas tuas mãos, você se sente vazio? Despedacei-me para te remontar, mas alguns pedaços se perderam eternamente no caminho. Eu não consigo não-terminar, entende? Eu tentei, mas as peças que faltavam definiam t o d a a e s t r u t u r a estético-psicológica e...
Eu sentei no parapeito de uma janela cujas dimensões eu não consigo descrever. Eu sentei no parapeito de uma janela com vista para além-ar, e senti meus pés flutuarem numa camada densa de suplícios tão redundantes que me deram enjôo.

Te subli m o.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

- Alô. Parabéns pelo feto abortado. Em breve será um lindo espaço vago na memória.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

- Alô. Eu me livrei de você. Arranquei esse tumor maldito, deixei de ouvir essas vozes ocas, desliguei para sempre. Você sente? Meu estômago revira agora, eu me deporto de ti, desmancho aqueles pequenos sonhos de uma vida eterna. Eu piso em cima de ti, meu querido, eu debocho do teu desprezo. Nós tínhamos data de validade. E ela já veio expirada.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

- Alô. É tarde, eu sei, e você está adormecido há semanas, mas eu preciso dizer que ainda tenho uma porcentagem de você em mim, e o que me foi entregue um dia, para sempre será meu. E eu, como legítima proprietária, me vejo no direito de fazer o que bem entender com isso.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

- Alô. Estou ligando para me desprender desse mal entendido. Acho que já passamos tempo demais, e estou começando a achar que ligo no número errado. Infelizmente, tua mediocridade é tão superior a tudo que te faz não enxergar nada. Teu egoísmo te supera. Egoísmo mórbido, obeso e incômodo. Egoísmo que te faz ser infeliz, que te deixa sozinho, que te faz lamentar por tudo e todos. Egoísmo que te destruiu. E você vai acabar só, você e teu egoísmo. É o inevitável. Uma criança, mimada, egoísta e auto-destrutiva. Espero que você se baste, porque se não se bastar vai acabar entrando em colapso nervoso.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

- Alô. Hoje eu te tirei do gancho, e só ouvi o sinal de ocupado.
- Alô. Hoje eu descobri que não sou. Eu tento ser, me habilito, desfaço de-em-para você. Mas não sou. Nossa língua não é fantástica? Em inglês, o ser e estar não têm diferenciação. "Eu não sou", "Eu não estou" são exatamente a mesma coisa. Mas nós sabemos a diferença. Eu já estive, mas nunca fui. Ou talvez sempre tenha sido sem nunca estar. Independe da flexão do verbo, é um fato, e teu fato é falso perante o meu. E na tua devastidão falso-centrada, nos teus deslizes, na frieza dos teus pontos finais, eu deixei de ser. Ou me deixei estar. Ou simplesmente me deixei.
Venha, vamos conversar nos degraus da escada. Eu posso mostrar para você o peão que meu avô fez quando eu era menina. E nós poderemos conversar sobre coisas que não estão acontecendo de verdade. E depois podemos caminhar na grama do jardim... ah, desculpa. Eu não devia ter ligado.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

- Alô. Estou ligando para pedir que você morra. Assim eu posso deixar de sufocar sempre que pensar na sua inércia e na minha incapacidade de te modificar. E você precisava ser modificado. Eu falhei. Eu me odeio por ter falhado. Eu te odeio por ter me deixado falhar. Eu te odeio por ter me deixado. Eu te odeio. Por favor, morra.
- Alô. Eu sei que jurei me desfazer de tudo de você que ainda havia em mim, mas toda vez que te jogo fora você volta como um bumerangue. Tenho andado inerte, estado a deriva. Tropecei em incontáveis calçadas, despertei numerosos tumores, esfreguei conchas maiores do que podia suportar na esperança de te abafar, mas você surgia cada vez mais vivo, gritando a plenos pulmões que eu era incapaz de sublimar. Sou agora um esboço. Uma hipótese de planos mal-feitos que pareciam intocáveis e agora são fuligem. Eu me dilatei dentro desse estado e agora sou a névoa que recobre o sonho distante. Não existo em mim, mas abomino a nós.
Hoje me transfiguro em bactéria, e meu eu microorganismo entra em ti em ondas sonoras e te destrói, órgão por órgão, arrancando em pequenas parcelas o que ainda resta de teu coração e te deixando oco. Quando for um corpo inerte, inorgânico e automático, você vai ouvir um leve sussurro meu, que dirá "Eu espero que esse seja só o começo".
Meu coração sangra, e escorre em meus dedos que se apertam ao lembrar de seu falso descaso. Espero que você permaneça estático.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

- Alô. A voz que vos fala é aquela que te fez jurar nunca mais sorrir novamente ao ver o sol pela janela. Eu sei que ouvir a minha respiração entre as frases que pronuncio te faz desejar a morte de tudo aquilo que possa ser considerado minimamente sensato, mas nós não estamos mais suficientemente vivos para falar de sensatez. De fato, é num ato imprudente que ligo, para falar sobre sentimentos que consideramos mortos, ou consideramos eternos, ou desconsideramos quando deveríamos ter nos apagado. Aquilo que um dia não chamei de nada, e você chamou de mentira, aquilo que me fez dilacerar e te fez desistir, aquilo que deixou de ser em seu momento máximo, é o que nos impulsionou até aqui, e o que destrói todas as camadas de incoerência e desacato. Destitui-me de meus bens espirituais, pela descrença eterna de algo que fosse tão sublime, pelo pesar indescritível do que tornou-se o que eu acreditava. Agora, nessas palavras, eu descarrego uma vida de frustrações, e meus dedos, ao discarem para esse número há tanto esquecido, justificam-se em movimentos automáticos e desesperadamente frenéticos, e quanto à mim, ao ouvir a saudação trêmula de alguém que claramente não se ergueu mais, desabafo em toda a mágoa que deixei explodir dentro de mim.
Agora, desapareço. Na margem opaca, em outro viés, pelos beirais, desapareço, num súbito suspiro, numa volúpia mórbida, na extrema falta de vontade de você, mas com uma necessidade além do meu querer. Espero que você esteja bem. Ou não.